15 de agosto de 2009

Orientações, direções, mapas e localizações

A minha noção de direção faria, se fosse um instrumentista dessas coisas de trânsito, o meu orientado andar em círculos.

Para minha sorte ou azar, Arthur é meu companheiro de viagem e conhece escrupulosamente o norte e todas as direções. Eu, pelo contrário, nunca me acho, mas também não me perco porque Roma está aí para provar o contrário.

Gosto de andar só nas minhas aventuranças, é um verdade. Quando não tenho um Arthur GPS Péricles do lado é que vou descobrindo novos lugares e suas particularidades, assim, meio perdido, perdido inteiro. Isso só não vale quando estou atrasado. Mas é se perdendo que se acha.

TV




Televisão é a mesma merda em tudo A Márcia Goldsmith daqui é ainda pior do que a brasileira, os realities-show importados da América, igualmente piores, as novelas daqui... bem, ainda não vi nenhuma, mas se houvessem, seriam desastrosas.

que é lugar, mas na Austrália a coisa fica mais preta do que cego no escuro. A única programação que se salva são os noticiários, mas como minha percepção do idioma ainda não é das melhores, nem posso fazer uma avaliação qualitativa. A julgar pelo impresso, pressuponho que não é lá tanta coisa.

Por incresça que parível, só consigo entender, perfeitamente, a previsão do tempo – isso também não é grande coisa; o clima sempre estará windy or cloudy, rainy and cold, very cold. Ainda bem que eles usam Celsius a Farenheit, senão, não faria a menor importância o frio que fizesse, não saberia mensurá-lo mesmo.

Até hoje não entendo como posso ser publicitário se não gosto de televisão – agora faço uma observação sobre a propaganda. Essas sim, são de péssima qualidade. Os “varejão” daqui conseguem ser piores que os de lá, piores até dos que se fazem em Camaçari. É muita tosqueira. Os produtos não são nada desejáveis – as embalagens de bebidas parecem de remédio e as de comida, inseticida. Essas embalagens revelam um pouco do tradicionalismo australiano – mas não entendo como é possível todo esse tradicionalismo na propaganda e usarem roupas furta-cores. Em compensação, exibem um calhamaço de séries que no fim das contas se salvam uma aqui ou outra ali.

O que se salva de verdade são dois programas exibidos quartas ou terças às noites, não tenho certeza. Um se chama 20 to 1, uma espécie de Top Top (MTV) que lista as 20melhores cenas do cinema sobre um determinado tema. O outro é Breakdown, um programa adulto de propagandas escrotas de todo o mundo.

Sendo assim, ligo a TV de manhã para a previsão do tempo e à noite, para me distrair com algum som enquanto leio ou escrevo.

Multicultural

É verdade que 28% da população australiana não é nativa e que até agora eu nunca vi um canguru, coala ou aborígene – australiano também?

Melbourne é uma Torre de Babel e eu preciso de um Babel Fish para encaixar eu meus ouvidos. A multiplicidade de línguas, principalmente orientais, que eu escuto aqui é coisa de outro mundo – literalmente. Chinas e japas e tailandeses e malauianos e turcos e indianos e árabes – menos australianos. Até hoje, a maior concentração de aussies* que presenciei foi em uma sala de cinema.

Não era mentira quando a pesquisa, antes de vir para cá, anunciou que não deveria me preocupar como meu inglês soaria. O inglês daqui é verdadeiramente macarrônico. Ninguém vai se importar se eu cantar um pouquinho do meu pasmódico baianês – os tinglings superam isso facilmente.

É possível, aqui, comprar da mais podre junkie food ao estilo americano aos famosos fish’n chips australianos; dos noodles coreanos aos kebabs turcos; das castanhas indianas com chocolate europeu às pizzas, tipicamente italianas, feitas por chineses.
É um escarcéu de gente e de gente do mundo todo.

Deus é poliglota

Quando se está em apuros, Deus é a primeira recorrência. Ele sempre estará pronto para atender às suas preces. É só rogar. Morar numa cidade que não se conhece nada é terrível, você acaba pagando mais caro pelo menos bom. Não conhece os melhores lugares, horários e outras questões dessa natureza. O que fazer nessas horas? Pergunta a alguém. E se não houver alguém? Chama por Deus!

Tutu – Zé, você conhece algum site que vende coisas pela internet?

Zé – Aqui em Melbourne?

Tutu – Não necessariamente, na Austrália.

Zé – Pergunta a Deus!

Tutu – Será que o Deus daqui entende se eu rezar em português?

Risadas comunais.

Google sem dúvida é o novo Deus. Pergunta + pra + ele + que + ele + responde. E em qualquer língua.

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Saudade

Saudade não é um sentimento de distância, é um sentimento de ausência. Não sentir saudades é falta de ausência ou muita distância?

Todo mundo é colorido

Para mim que tenho a maioria das roupas em tons escuros, exceto as brancas e étnicas, é divertido ver as combinações de cores que as pessoas usam em Melbourne. Nem é preciso se concentrar para encontrar alguém usando sapatos vermelhos, meias verdes, saia preta, camisa marrom, cachecol amarelo e chapéu rosa – sem contar na bolsa azul; mesmo os velhinhos, com seus moletons em diversos tons de azul, verde e rosa. É comum, eles são assim. No trânsito, carros incrivelmente cintilantes exibem suas cores várias – todos os tons de azul são encontráveis.

A impressão é que a cidade parou na gravação de um filme sci-fi oitentista. É muita cor, muita cor. Aí você pára e imagina... onde eles compram todas essas roupas ululando suas matizes saturadas? Resposta: em qualquer lugar. Na loja de sapatos excêntricos, porque eles têm lojas exóticas para tudo; nas lojas de departamento, nas feiras livres, nos outlets – ainda não vi camelôs (do mercado informal, bem a la Edson Gomes). Que bom!

Incrível é pensar que estamos no inverno e talvez essa seja uma forma de alegrar o clima gélido. A próxima estação já vem dando as caras – as árvores ganharão folhas e flores e a polinização dominará a cidade. Os jardins brotarão suas portentosas e entusiasmadas cores aos cachos. E o que será que todo esse povo vai vestir. É pagar pra ver.

Sobre ser estrangeiro




A menos que me perguntem algo e eu não despeje o peso do meu acento latino sobre o ouvido do questionador, serei apenas eu, um estrangeiro, mas de nenhuma nacionalidade. Serei sempre o que sou ou o que quer ser visto. Serei australiano e fui australiano quando orientei a moça como chegar à Bourke St; serei brasileiro como fui brasileiro quando conversei amenidades com a recepcionista da escola, que também é de lá; e serei peruano como fui peruano quando contei minha experiência em seu país, hablando em español, a um estudante dalí.

Ser estrangeiro não é uma questão geográfica, não é latitude nem longitude, não é cartesiano. Ser estrangeiro é andar na contra mão do senso comum, é simplesmente viver como uma folha que cai d’uma árvore e toma seu rumo – totalmente desconhecido.

Sobre se sentir só




Estar só não é nenhuma novidade. Viver em comunidade, família, amigos e ter uma conturbada agenda social não lhe põe no patamar de pessoa não só – porque não há uma palavra para isso, mas uma imagem. Estar sufocado disso é mais uma forma de isolamento.

Entretanto, estar só do outro lado do globo é uma questão além das já vomitadas propositivas. Estar só num clima oposto ao que sempre viveu e numa língua que se perde entre os dentes, numa cultura que nada se parece com a de origem, aí é outro tipo de solidão. É solidão só – sem família e amigos e as chatices de todos os dias. É estar só e aberto para novos amigos e família e chatices.

Os amigos serão igualmente chatos, mas necessários; os eventos saltando da agenda serão os mesmos, pelo menos até se tornarem comuns. E o novo novo será mudar de ares e viajar para um lugar que ao invés de enrolar a língua nos dentes, se engasgue com palavras de sons guturais.

A partir daí, o novo se tornará velho e o ciclo continuará dançando seus movimentos bamboleantes.

31 de julho de 2009

Hit the road, Zé!















Quando acaba o estado de suspensão e o irremediável já é irremediável, não há mais o que fazer. Obedecer aos instintos selvagens da natureza humana é sua única possibilidade, não há como fugir, a partir daí é só enfrentar inimigos e sombras e travar a batalha. Seguir. O passo inicial e contumaz a todo homem predestinado. A ação de agora refletirá, inabalável, o homem do amanhã, construindo monte sobre monte, peça sobre peça, sentimento sobre sentimento a cada movimento do presente, ao tempo que constrói um passado, para enfim consolidar o que se pode chamar futuro – paradoxalmente.

Um futuro inesperado que segue cegamente os seus próprios pés – esse é o meu estado, essa é a minha jornada. Um cidadão do mundo com ticket só de ida; retornar já é outra partida.